Reflexões sobre o uso do PSA
Uma recomendação de uma agência do governo americano, em completo desacordo com a Associação Americana de urologia, recomenda que a dosagem do PSA não seja mais feita de rotina nos exames de avaliação de saúde, e esta recomendação já motivou uma pronta resposta da Associação Americana da Urologia que é a maior congregação de especialista do mundo, e que esta em completo desacordo com ela.
É claro que quando algo como isto ocorre e autoridades divergem tão frontalmente, o fato produz grande confusão entre o público leigo e até entre os médicos não especialistas gerando muita discussão.
No mundo globalizado em que vivemos, certamente o mesmo ocorrerá no Brasil. É preciso, portanto, que todos que lidam com o problema, ou melhor, com a doença conhecida como “ câncer da próstata” façam o possível para esclarecer as dúvidas e diminuir a aflição de praticamente todos os homens de mais de 50 anos de idade, e que quase sempre, sem exceção, conviveram ou convivem com um parente ou amigo afetado pela doença.
Em primeiro lugar é preciso esclarecer que do grupo de trabalho que fez esta recomendação, não faz parte nenhum urologista, radioterapeuta ou oncologista clínico, que são os médicos que tratam dos pacientes com esta doença. E que a recomendação foi feita para o serviço de saúde dos idosos dos USA mas em nenhum momento o teste será negado a quem o solicitar e será pago, como sempre foi, pelo serviço de saúde do governo americano, o que ficou bem claro na recomendação. O que foi investigado pela agência e serviu de base para tal recomendação foi apenas a capacidade da dosagem periódica do PSA de prolongar ou aumentar a quantidade, e não a qualidade de vida e comparar isto contra o mal que este exame pode fazer se os resultados não forem interpretados corretamente e forem feitos tratamentos agressivos ou mesmo desnecessários apenas baseados no resultado do exame.
Em primeiro lugar, é importante, contudo, entender que nenhum programa de prevenção de câncer prolonga a vida de ninguém, apenas visa impedir que um indivíduo morra do câncer em questão, seja ele de mama, pulmão, intestino, ou outros. Vivemos e morremos mais cedo ou mais tarde por causa de múltiplos fatores e nenhuma prevenção nos impedira de morrer, mas se possível devemos desfrutar a vida com saúde até o mais tarde possível não sendo afetados por doenças que podem ser evitadas ou melhor tratadas se descobertas em um estágio inicial.
A dosagem do PSA é um dos melhores marcadores iniciais de doenças de toda a história da medicina mas, como todo remédio poderoso, se usado de maneira inadequada irá produzir mais mal do que bem. Como exame de rotina, fora de um ambiente de pesquisa, a dosagem do PSA no sangue só passou a ser utilizada rotineiramente a partir da segunda metade da década de 80.
Quando começamos a exercer a especialidade de urologia em 1975, mais da metade dos pacientes que víamos com câncer da próstata vinha nos procurar com a doença em estado avançado, sem nenhuma possibilidade de cura e quase todos morriam dela.
Hoje a situação é completamente diferente e muito raramente indivíduos que fazem um acompanhamento periódico morrem de câncer da próstata pois mesmo os casos de tumores agressivos, se diagnosticados precocemente, podem ser curados ou serem controlados muitos anos.
Se pararmos de fazer a dosagem do PSA nos exames de saúde periódicos voltaremos a situação existente no fim da década de 80 e só diagnosticaremos os tumores avançados quando surgirem sintomas locais ou decorrentes de suas metástases a distância, geralmente nos ossos.
Também é preciso entender que o câncer da próstata não é na verdade uma doença só e que existem muitas variedades, mais ou menos agressivas e que, de acordo com a idade e com as condições gerais de saúde do paciente afetado as vezes não requer nem tratamento. O que não faz nenhum sentido é não usarmos todos os métodos que dispomos para saber se temos ou não a doença e se precisamos ou não de algum tratamento. E esta decisão, de tratar ou não, só pode ser tomada corretamente por médicos com experiência no assunto, interessados na saúde do paciente e quase sempre com o auxílio da dosagem do PSA no sangue.
Todos os que tratam dos que sofrem do câncer avançado da próstata sabem o imenso sofrimento que esta doença causa e estão em desacordo com esta recomendação.
Usando com critério as armas que dispomos nos dias de hoje, talvez não seja possível prolongar a vida além de certo limite pré-determinado por outros fatores mas certamente é possível evitar que no final dela sejamos afetados por uma doença tão cruel.
Fernando Vaz
Do Hospital de Servidores do Estado e da Academia Nacional de Medicina
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