A Volta Redonda Rural, Caminhos e Descaminhos Históricos e Culturais – Capítulo 2
Capítulo 2
O CICLO DO CAFÉ: ASCENSÃO E QUEDA; PODER E ABANDONO.
O café, fruto exótico originário da África central e introduzido no Brasil a partir da Guiana Francesa, chegou à cidade do Rio de Janeiro em meados do século XVIII onde, inicialmente plantado em chácaras e sítios, ao final daquele século tomou o rumo da Província Fluminense através de dois caminhos principais: A chamada “diretriz de Resende”, local das primeiras plantações, de onde subindo e descendo o curso do rio Paraíba do Sul e de seus afluentes alcançou, por um lado, as serras do então norte paulista e, por outro, as da velha província e as da mata mineira. O segundo, “a diretriz de São Conçalo”, cobrindo a região litorânea até Campos dos Goitacazes, atingiu as regiões montanhosas de Cantagalo e Madalena.
A partir da boa aclimatação na região Vale-paraibana entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, conhecida como “Serra Acima”, a avalanche cafeeira do século XIX criou um extraordinário sistema econômico, social e cultural que consolidou a nossa independência e deu movimento e sustentação econômica ao país nos reinados de D. Pedro I e D. Pedro II, praticamente nascendo e morrendo com o Império.
Este importante período de nossa história e que corresponde em sentido amplo a todo o século mencionado, conhecido como o “Ciclo Econômico do Café”, foi construído, fundamentalmente, por dois personagens: o fazendeiro de café — no seu conjunto conhecidos, genericamente, como “barões do café”, tenham ou não recebido essa titulação nobiliárquica do Império — que respondia pelo capital e pela administração da chamada “Empresa Agrícola”, e o negro, mão-de-obra feita escrava na sua África natal (a partir de 1850 remanejada para o Vale de outros locais do Brasil, em especial dos canaviais do nordeste) e quem, realmente, produziu o “ouro verde” e tantos benefícios trouxe à cultura e à vida do país, a ele se incorporando definitivamente.
A Província Fluminense, em especial a região do Vale do Paraíba, tendo os municípios de Vassouras e Valença como expoentes no sul e Cantagalo no norte, sem desmerecer a relevante contribuição das terras vale-paraibanas das vizinhas Províncias Paulista e Mineira, foi a grande alavanca desse Ciclo cujo período mais produtivo foi de 1820 a 1890, sendo a ápice atingido entre 1850 e 1875.
As técnicas inadequadas de plantio e cultivo e outras razões subsidiárias responderam pelo declínio do Ciclo no Vale, e a abolição da escravidão veio praticamente liquidar os cafezais da Província do Rio de Janeiro e das vizinhas. Já nos primeiros anos da república, o café emigrado para as chamadas terras roxas do “oeste” de São Paulo e produzido com imigrantes europeus, principalmente italianos, atingiu volume de produção que ultrapassou, em muito e definitivamente, a do Rio de Janeiro.
Sucumbem os “barões do café” e não existem condições adequadas para absorver, de imediato, o grande contingente de mão-de-obra agora livre. Fortunas se perderam. As propriedades, que amargavam o abandono e sofriam desvalorizações vertiginosas, mudaram de dono ou foram incorporadas aos patrimônios de bancos, tomadas por hipotecas não levantadas.
Foi-se o Ciclo. Às margens do Paraíba não mais floresciam os cafezais e restaram os morros meias-laranjas, conhecidos como “mar de morros”, com suas coberturas originais de Mata Atlântica devastadas, ocupados pela pecuária leiteira — o ciclo substituto — e, posteriormente, em alguns municípios do Vale, pelas indústrias e/ou outras atividades.
Desafiando o tempo e lutando para mostrar suas presenças, solares rurais remanescentes, preservados ou restaurados ainda conseguem nos mostrar um pouco da época de fausto e riqueza que se foi. Outros tantos permanecem de pé, moribundos ou maltrapilhos da “modernidade funcional” e, do restante, restam ruínas, alicerces sob o capim e, da maioria, nem pó.
As fazendas cafeeiras de Volta Redonda, na época distrito de Barra Mansa, capitaneadas pela maior delas, a fazenda Três Poços, que chegou a produzir anualmente 330t de café seco e onde hoje funciona o mais importante campus do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA), da Fundação Oswaldo Aranha (FOA), foram partícipes expressivas dessa epopeia e enquadram-se em todos os aspectos aqui registrados.
Vale a pena transcrever uma parte do Prefácio do livro citado ao final da primeira matéria dessa série, escrito pelo dr. Fernando Tasso Fragoso Pires, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB ), e uma das maiores autoridades sobre a história do café, que resume com propriedade o texto apresentado.
“Um dos mais fascinantes capítulos da história econômica e social do Brasil é sem duvida a epopeia do café, nos anos oitocentos, tendo como cenário o vale do rio Paraíba do Sul, particularmente em território da então Província Fluminense. As peculiaridades e os contornos que emolduraram os acontecimentos no período fazem-no digno de integrar a História da Civilização. Ao mesmo tempo curto e intenso, o café como fenômeno econômico teve início nas primeiras décadas do século XIX e fim com a exaustão da terra, antes mesmo da abolição da escravatura, o golpe final no ciclo. Vigente o sistema patriarcal e escravocrata, o barão, o visconde, o conde ou o marquês, dono de tudo, até das pessoas em volta, a sua casa-grande de moradia e seus escravos, na senzala e no cultivo, eram as principais testemunhas vivas de uma época de esplendor político, econômico e social do Brasil independente, em níveis jamais conhecidos na República. A beleza e as proporções dos solares cafeeiros são fruto de circunstâncias que jamais se repetirão: o café muito valorizado no mercado externo, obtido a baixo custo em terras fertilíssimas, proporcionava lucros espantosos, gerando em seu meio a chamada Aristocracia Rural Fluminense”.
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A primeira parte da obra de Roberto Guião, pode ser encontrada aqui.
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